segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O bilhete premiado (Anton Tchekhov)

Ivan Dmítritch, homem remediado que vivia com a família na base de uns 1200 rublos por ano, muito satisfeito com seu destino, certa noite, depois do jantar, sentou-se no sofá e começou a ler o jornal.
– Esqueci de dar uma olhada no jornal de hoje – disse sua mulher tirando a mesa. – Dê uma espiada para ver se saiu o resultado do sorteio.
– Saiu – respondeu Ivan Dmítritch -, mas você não penhorou seu bilhete?
– Não. Paguei os juros na terça.
– Qual é o número?
– A série é 9499, bilhete 26.
– Então… Vejamos… 9499 e 26.
Ivan Dmítritch não acreditava na sorte da loteria e em outra ocasião jamais se daria ao trabalho de verificar a lista. Agora, porém, que não tinha nada para fazer e o jornal estava bem debaixo de seu nariz, percorreu com o dedo de cima para baixo Os números da série. E não é que logo de cara, corno que para zombar de sua descrença, já no alto da segunda coluna apareceu de repente, diante de seus olhos, o numero 9499! Sem conferir o número do bilhete nem verificar se tinha lido certo, deixou cair rapidamente o jornal no colo e como se alguém lhe tivesse derramado água na barriga, sentiu um friozinho agradável no fundo do estômago. Era urna sensação de coceira terrível e deliciosa ao mesmo tempo.
– Macha – disse com voz surda -, o 9499 está aqui. A mulher olhou para seu rosto surpreso, assustado, e compreendeu que o marido não estava brincando.
– 9499? – perguntou ela, empalidecendo e deixando cair na mesa a toalha dobrada.
– Sim, sim… Está, de verdade!
– E o número do bilhete?
– E mesmo! Ainda falta o número do bilhete. Mas tenha paciência… espere. Então, que tal? De qualquer modo o número de nossa série está, hem? De qualquer modo, entendeu?…
Ivan Dmítritch olhou para a mulher e sorriu num sorriso largo e apalermado como uma criança a qual tivessem mostrado alguma coisa brilhante. A mulher também sorria. Sentia o mesmo prazer que o marido por ele ter lido somente a série e não ter tido pressa em saber do número do feliz bilhete. E tão delicioso, tão angustiante consumir-se e espicaçar-se na esperança de uma felicidade possível!
– A nossa série está – disse Ivan Dmítritch depois de um longo silêncio. – Significa que existe uma possibilidade de termos ganho. Apenas uma possibilidade, mas, apesar de tudo, ela existe!
– Está bem, mas agora, olhe.
– Espere. Ainda teremos tempo a vontade para nos desiludir. Se esta na segunda coluna de cima, quer dizer que o prêmio é de 75 mil. Isso não é dinheiro, é uma força, um capital! E se de repente eu olhar para a lista e lá estiver o numero 26? Hem? Escute, e se tivermos ganho de verdade?
Os cônjuges começaram a dar risada e a olhar demoradamente um para o outro, sem falar nada. A possibilidade da ventura deixara-os obnubilados, e eles não
conseguiam sequer sonhar, dizer para que precisavam daqueles 75 mil, o que comprariam, para onde iriam. Imaginavam apenas Os números 9499 e 75 mil, desenhavam-nos em sua imaginação, mas a idéia da felicidade, que estava tão próxima, parecia não lhes passar pela cabeça.
Ivan Dmítritch andou algumas vezes de um lado para outro com o jornal nas mãos e só quando a primeira impressão se acalmou é que, aos poucos, começou a sonhar.
– E se tivermos ganho? – disse. – Seria uma vida nova, uma catástrofe! O bilhete é seu, claro, mas se fosse meu, antes de mais nada, naturalmente eu compraria algum imóvel, algo como uma propriedade, no valor de, digamos, 25 mil; deixaria uns 10 mil para despesas extras: mobília nova… uma viagem… pagamento de dívidas e assim por diante. Os 40 mil restantes colocaria no banco, para render juros…
– Realmente, uma propriedade seria ótimo – disse a mulher sentando-se e deixando cair os braços no colo. – Nalgum canto, na região de Tula ou de Orlóv… Em primeiro lugar, não seria preciso alugar nenhuma casa de campo e, em segundo, não deixa de ser uma renda.
E na imaginação dele começaram a se aglomerar imagens, uma mais poética e aprazível que a outra. E em cada uma delas ele se via satisfeito, tranqüilo, saudável e chegou a sentir um calorzinho agradável, um calorzão, mesmo! Lá está ele, depois de ter comido uma sopa de legumes fria como o gelo, de barriga para cima na areia quente, na beira do rio ou no jardim mesmo, embaixo de uma tília… Faz calor… O filho e a filha rastejam perto dele, rolam na areia ou caçam algum bichinho na relva. Cochila docemente sem pensar em nada e sente com todo o corpo o que significa não ter de ir ao serviço nem hoje, nem amanhã, nem depois. E quando cansar de ficar deitado, pode ir ver cortar o feno, ou ao bosque, colher cogumelos, ou então ficar observando como os camponeses pescam os peixes com o arrastão. Ao pôr-do-sol, pega um pano, um sabonete e esgueira-se na casa de banho, onde se despe devagarzinho, passa um tempão alisando o peito nu com as palmas das mãos e finalmente cai n’água. Na água, Os peixinhos se agitam em volta das bolhas turvas de sabão e as plantas aquáticas balançam na corrente. Depois do banho, um chá com creme e rosquinhas doces… À noite, um passeio ou uma partida de uíste com os vizinhos.
– Sim, seria bom comprar uma propriedade – diz a mulher, também sonhando. Lê-se em seu rosto que está encantada com os próprios pensamentos.
Ivan Dmítritch imagina o outono chuvoso, as noites frias, o veranico. Nessa época é preciso andar um tempão pelo jardim, pela horta, pela margem do rio até sentir bem o frio e depois beber um copo cheinho de vodka junto com cogumelos salgados ou um pepino em salmoura e pronto – tomar outro trago. As crianças vêm correndo da horta, trazendo cenoura e nabo. Sente-se o cheiro fresco da terra… Depois, estirar-se no sofá e folhear uma revista qualquer, sem pressa, até que o sono chegue. Cobrir o rosto com a revista, desabotoar o colete e entregar-se…
Após o veranico o tempo é fechado, ruim. Chove dia e noite. As árvores despidas choram, o vento é úmido e frio. Os cachorros, os cavalos, as galinhas – não há quem não esteja molhado, melancólico, encolhido. Não se tem por onde passear; sair de casa, nem falar! Passa-se o dia inteiro andando de um canto para outro e olhando tristemente pelas janelas embaçadas. Que coisa enfadonha!
Ivan Dmítritch parou e olhou para a mulher.
– Sabe de uma coisa, Macha, eu iria é para o estrangeiro.
E ficou pensando como seria bom viajar para o estrangeiro, cruzar o oceano profundo e ir para algum lugar no sul da França, para a Itália… Para a Índia!
– Eu também iria para o estrangeiro correndo – disse a mulher. – Mas olhe o número do bilhete!
– Espere! Daqui a pouco…
Andou pelo quarto e continuou a pensar. E se a mulher fosse realmente para o estrangeiro? Viajar é bom sozinho, ou em companhia de mulheres despreocupadas, sem compromisso, que vivem o momento presente, e não com aquelas que ficam o tempo todo pensando e falando em crianças, suspirando, tremendo com medo de gastar um copeque que seja. Ivan Dmítritch imaginou sua mulher no vagão, cheia de embrulhos, cestas, pacotes: suspira e queixa-se que a viagem lhe deu dor de cabeça, que gastou muito dinheiro. É preciso correr na estação atrás de água quente, sanduíches, água potável. Almoçar ela não pode, custa caro…
“Tenho certeza que ela iria controlar cada copeque”, pensou ele, olhando para a mulher. “O bilhete é dela, não é meu! E pra que ela precisa ir para o estrangeiro! O que é que lhe falta ver lá de importante? Já sei. Ficará fechada o tempo todo no hotel e não me deixará desgrudar dela um só momento.”
E pela primeira vez em sua vida reparou que a mulher tinha envelhecido, ficara feia e cheirava a cozinha, enquanto ele ainda era moço, saudável, viçoso, bom para se casar uma segunda vez.
“Claro, tudo isso é bobagem, é besteira”, pensou. “Mas… para que iria ela ao estrangeiro? O que ela aproveitaria lá? Mas iria mesmo… Imagino. Para ela Nápoles ou Klin iriam ser a mesma coisa. Ficaria me atormentando e eu dependeria dela. Tenho certeza de que na hora em que recebesse o dinheiro, iria trancá-lo a sete chaves, como faz o mulherio… Iria escondê-lo de mim… Aos parentes dela tudo, mas para mim, contaria cada copeque.
Ivan Dmítritch ficou pensando na parentela. Logo que todos esses irmãozinhos, irmãzinhas, titias, titios soubessem do ganho, viriam se arrastando, bancando os mendigos, sorrindo untuosamente, bajulando. Eta gentinha sórdida! Se lhe oferecem a mão, pegam o braço. Se não lhe oferecem, amaldiçoam, rogam pragas, desejam todo tipo de desgraça.
Ivan Dmítritch lembrou-se de seus parentes e seus rostos, que ele sempre olhara com indiferença, pareciam-lhe agora odiosos, repulsivos.
“São uns canalhas”, ele pensou.
E o rosto da mulher começou também a parecer-lhe odioso, repulsivo. Em seu íntimo começou a ferver um ressentimento contra ela e ele pensou com alegria perversa: “Não entende nada de dinheiro, por isso é avarenta. Se ganhasse, mal me daria cem rublos, e o resto iria direto para o cofre”.
Já olhava agora para a mulher com ódio e não mais com um sorriso. Ela também olhava para ele com maldade e com ódio. Ela tinha seus próprios sonhos dourados, seus pianos, suas idéias e sabia perfeitamente no que estava pensando o marido. Sabia que seria o primeiro a avançar no que ela teria ganho.
“É bom sonhar por conta dos outros!”, dizia o olhar dela. “Não, você não conseguirá!”.
O marido compreendeu seu olhar: o ódio ferveu-lhe no peito e para decepcionar sua mulher e fazer-lhe mal olhou rápido na quarta página do jornal e anunciou solene:
– Série 9499, bilhete 46! Não 26!
A esperança e o ódio desapareceram ambos de repente e, no mesmo instante, Ivan Dmítritch e sua mulher acharam os aposentos escuros, pequenos e abafados, e o jantar que tinham acabado de comer pesado e insosso, e as noites longas e enfadonhas.
– Só o diabo sabe – disse Ivan Dmítritch, começando a implicar. – Por todo lado que eu pise, só há papéis, migalhas, casquinhas, sei lá. Será que nunca varreram esses quartos! Terei de ir embora de casa, o diabo que me carregue. Vou sair e me enforcar na primeira árvore.

sábado, 10 de outubro de 2015

Eu cresci com medo de Nostradamus

O ano era 1977. Eu nasci. E infelizmente cresci com medo das profecias de Nostradamus para o ano de 1999. Eu fazia as contas e sabia que viveria até os meus 22 anos, então, se o mundo ia mesmo acabar, como eu acreditava, teria que “acelerar” o processo das coisas que eu gostaria de realizar. Uma dessas frases assustadoras, dizia: “No ano de 1999, sétimo mês, do céu virá o grande terror.”  Lembrem-se que naquela época não tinha internet, nem celular, nós vivíamos das notícias da TV, pura e simplesmente, e quando esse ano foi se aproximando, só se falava disso. Eu pensava ser muito injusto porque eu ia morrer na flor da idade e não eu não teria tido tempo suficiente de fazer tudo o que eu gostaria de fazer. Não me lembro bem dos anos, a ordem cronológica de tudo isso, minha mente é assim, me desculpem, mas me lembro de ter procurado, a minha vida toda, para uma explicação para tudo isso, uma explicação que fizesse sentido na minha mente, quando veio o medo do cometa Halley, em 1986. Alguns diziam que tínhamos de ver pois só passaria de novo em 75 ou 76 anos. Fiz as contas de novo e vi que não estaria viva para apreciá-lo novamente. Mas algumas teorias conspiracionistas diziam que o cometa poderia se chocar com a Terra e destruir tudo, antes mesmo do ano 2000. Aí fiquei apavorada. Vi que o tempo era meu inimigo mesmo, e declarado. O cometa passou e eu fiquei viva. Procurei nas religiões, em quase todas, e continuei procurando até a morte do meu pai em 1997. Nem o fim do mundo poderia ser pior que aquilo. Parei de procurar por um tempo, passei a ser cética. Só sei que os anos passaram, chegou o ano 2000 e nada de terrível aconteceu, a não ser a morte do meu futuro sogro, aquele a quem eu tinha adotado como pai, já que tinha perdido o meu. Então eu comecei a perceber que sobrevivia às dores, às perdas, pode ser que eu não soubesse lidar com isso da melhor maneira possível, mas eu sobrevivia! Depois do meu período cético, continuei minha busca pela explicação onde tudo faria sentido na minha cabeça. Depois de ter passado por uma dor muito grande, a de um aborto, cheguei a algumas respostas e acreditei que poderia estar ali, que na verdade, sempre esteve tão perto de mim e eu não enxergava. Aí fiquei tranquila. Estava tudo dentro de mim, eu escolhia pelo que ia passar ou não, bastava escolher, decidir. Mas não era tão fácil assim, a mente é uma máquina muito bem projetada, graças a Deus! Não bastava querer, temos que sentir, que acreditar. E não é tão fácil de se acreditar quando se tem mais de 30 anos. Vamos nos protegendo de tudo e de todos, que não deixamos muitas coisas se aproximarem de nós por medo, medo até do amor que sentimos. Porque vem a dúvida: “será que somos correspondidos? ”. Com os anos, ficamos desconfiados dos sentimentos que os outros podem ter em relação à nós. Só sei que cheguei ao amor ao próximo, ao amor por tudo e todas as coisas, amor pela vida, amor incondicional. Como eu já tinha uma filha, foi fácil identificar esse amor. Um amor não egoísta, um amor que deseja que todos estejam bem, saudáveis e prósperos, um amor onde todos possam desfrutar do melhor que a vida pode oferecer. E que não teria problema se eu não conseguisse tudo o que queria nessa vida, porque eu era imortal, então isso não importava mais. Eu teria muitas vidas ainda pela frente para atingir o meu objetivo.
 Até que um dia, um amigo me propôs uma simples brincadeira: “e se a única vida que existir for essa?”, “e se não tivermos outra chance?”, “e se não formos imortais e nem tão importantes assim, para Deus ou para o Universo?”, “se formos apenas mais uma forma de vida dentre várias outras?” . E essa brincadeira me fez enxergar que tudo isso tem sim um sentido, o de nos proteger da imensa dor que sentimos, quando por exemplo, perdemos um filho. Essa crença serve sim para acalmar nossa ansiedade, afastar um pouco a tristeza, a continuar a levantar da cama todos os dias, acreditar que amanhã ou algum dia, poderemos reencontrar essa pessoa tão amada e que nos deixou tão cedo, para continuarmos essa vida que não tem sentido sem ela. Sim, para essas pessoas vale muito à pena, e acredito até que, se não fosse essa crença, elas já teriam sucumbido à dor da perda. Mas chego a conclusão, aos 38 anos de idade, que vale mais à pena acreditar que só temos essa vida e mais nada, só temos o agora, só temos esse instante para fazer tudo valer a pena ter sido vivido.  E se por acaso você for uma dessas pessoas que, como eu, tentou ver tudo isso através das cartas de uma cartomante, meu conselho é: “se você vir o futuro, este não mais existirá.” Se você o viu, ele deixará de ser futuro,  e será apenas algo que você quer que aconteça (ou não). Por esse motivo, o conselho mais sábio que me cabe aqui nesse espaço é: não se preocupe, a maior parte das coisas com que nos preocupamos, jamais acontece.
 Levante-se da cama e agradeça por ter aberto seus olhos, por ter tido uma cama confortável onde dormir, por ter comida em sua mesa, por ter roupas para vestir, por ter animais de estimação que valem uma companhia incrível, por ter quem se preocupe com você, por enxergar, por ter braços e pernas, por ter seus movimentos, por respirar, por ter quem te ame, por ter quem te visite no hospital, por ter amigos com quem desabafar, por poder olhar de perto a morte e conseguir se esconder dela, agradeça por estar vivo, agradeça inclusive se estiver sentindo dor, um bom sinal de que você está realmente vivo.


sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Caiu um cisco no meu olho aqui

Vivo dizendo ou pensando que temos de fazer as coisas, qualquer coisa, com amor. Na verdade, não é que "temos" e sim "seria melhor se" fizéssemos tudo a partir de um bom sentimento que brota dentro de nossos corações. Mas acabei chegando, de algum modo, na paixão, no passional. E cheguei à conclusão que passional não é tão bom quanto amoroso. A paixão ou o ato passional é aquilo que te tira do sério por completo, aquilo que existe em pequena porcentagem dentro de você e se torna tudo aquilo que, na verdade, você não deseja ser.
Teve um período da minha vida que eu achava que eu deveria ser mais passional do que pacífica e passiva. Achava lindo os rompantes de ciúmes, as brigas, as gritarias. Mas tive de viver tudo isso que eu achava bonito na relação dos outros para perceber que não era bem por ai.
Quando eu tive uma relação estável, tranquila, eu acreditava que faltava a tal da paixão. Faltava ciúmes e todas as cenas escandalosas que vem com ela. Eu sabia que era isso que faltava no meu relacionamento.
Eu quis tanto que acabei criando um relacionamento desses para a minha vida. E só assim para perceber que o buraco é mais embaixo.
Definitivamente, não gostei. E também não teria outro desses. Na minha concepção são relacionamentos que te podam, que te apara as asas, daqueles que não te deixa sair com certo tipo de roupa ou cabelo ou cor de esmalte, daqueles que fazem você esquecer quem você é, daqueles que te anulam. São relacionamentos baseados na adrenalina, no nervosismo, no "faça isso, que eu te dou o troco na mesma moeda" porque acreditam que "chumbo trocado não dói". Mentira. Dói em mim por fazer e dói em você por querer se vingar do que eu fiz.
E vingança não é lá um dos sentimentos mais elevados que existem, mas existem piores.
Apesar de tudo isso, ainda considero a indiferença muito pior do que a vingança. Afinal, a vingança tem paixão dentro dela, a indiferença não tem nada.
Mas voltando ao tema a ser desenvolvido, a paixão pode te levar a loucura, pode fazer você esquecer de raciocinar e apenas agir instintivamente. Eu, que estive dos dois lados, considero que o mar calmo do amor, nos leva além do que imaginamos e a paixão nos deixa aquém do que desejamos.
Esse fogo da paixão, além de ser um fogo bastante rápido e queimar tudo e todos pela frente, deixa marcas em suas mãos e no seu coração. Pode te levar a desconfiar de todos que aparecem na sua vida, pode te levar a acreditar que alguém não te ame por não te dar atenção 24 horas por dia. E não é bem por ai. Se você manda uma mensagem, ou um e-mail, ou algo assim, e a pessoa demora para responder não quer dizer que essa pessoa não te ame, às vezes só quer dizer que ele/ela não pode responder no momento porque pode estar ocupado trabalhando e não te traindo.
Mas se for assim, brando, não é amor, não pode ser, porque quando a gente ama, a gente sente falta, a gente liga, a gente sai com o  carro de madrugada, a gente enche a cara, isso sim é amor. Será?
Pelo menos muitas letras de músicas dizem isso, e alguns filmes também, se não for assim intenso, não vale a pena ser vivido.
Eu acredito que isso seja mais uma "conspiração" para que fique cada vez mais difícil você (e eu também) encontrarmos um amor verdadeiro. Não sei quem exatamente ganha com essa conspiração, mas alguém começou com ela. Não duvido que tenha sido de alguém muito ciumento.
Portanto, pouco importa do que eu ache ou deixe de achar. O que eu quero dizer é: não compare os seus relacionamentos. Nunca compare nada, nem mesmo você com a mulher que você acha a mais linda do mundo. Sabe por quê? Não vale a pena e você vai se decepcionar. Se ela é conhecida, pública, tem dinheiro, usa photoshop, plástica, botox, drenagem linfática, desmaia de fome, e você se compara a isso, sem nem ao menos saber a metade do que ela tem que passar para ser quem é.
Por outro lado, se uma amiga sua tem um relacionamento desses bem passionais e você compara ao seu, estabilizado, calmo, tranquilo, centrado, vai acabar acreditando que é falta de amor, de tesão, e corre o risco de largar tudo para ir atrás de algo que não existe. Porque esse "fogo" não dura muito tempo, ele esquenta muito rápido, mas apaga tão facilmente como começou.
Lembra do ditado: 'não troque o certo pelo incerto'? É mais ou menos isso. Desejo que o seu relacionamento amoroso, com quem quer que seja, independente de sexo, idade, religião, desejo que seja autêntico, original e cheio de um amor tranquilo e duradouro. Ah! E que você aprenda a conservar. Não acredite que a grama do vizinho é mais verde do que a sua, porque você não sabe o que ele passa para deixá-la com aquela cor.


A coragem de Hugo Cabret

Terminei outro dia a leitura do livro "A invenção de Hugo Cabret" do escritor Brian Selznick, de propriedade da minha filha, porque eu tinha assistido ao filme mas ainda não tinha lido o livro. E apesar de achar o filme lindíssimo, as ilustrações do próprio autor no livro, não deixam nada a desejar, são maravilhosas.
Como eu adoro literatura infanto-juvenil e fantasias, decidi que essa história seria uma entre as minhas preferidas.
A história se passa em Paris no ano de 1931. Hugo Cabret é um menino órfão mas que adora mecanismos. Enquanto seu pai ainda era vivo e trabalhava em um museu, encontrou um autômato abandonado por lá e contou para o seu filho que, insistiu que o pai o consertasse. Mas não conseguiu concluir seu objetivo porque morreu antes disso, deixando essa tarefa para Hugo, que por sua vez, imaginou que assim que consertasse o autômato, este lhe daria alguma mensagem de seu falecido pai. Hugo entra de cabeça nesse propósito e enfrenta tudo e todos para alcançar seu objetivo. Mas as entrelinhas é que me fascinaram. Um menino completamente sozinho, morando (escondido) em uma estação de trem, ajustando os relógios, passando fome, frio, tendo que roubar, sempre sujo e sem ninguém para se preocupar com ele. Até aí ok, a história é triste.
Mas mesmo passando por todas essas dificuldades, ele não desisti de seu sonho e continua indo em frente, apesar de todos os obstáculos e acaba expandindo esse sonho com outros personagens do livro.
Hugo Cabret, em minha opinião, é um menino muito corajoso, mas não por conseguir sobreviver, mas sim por não deixar que nada o faça desistir. Eu me lembrei que um dia também fui assim, mas cheguei a esmorecer diante de algumas dificuldades. Sinto nele o perfume da coragem da juventude, da ausência do medo de persistir naquilo que quer. Nós vamos crescendo e deixando alguns (ou muitos) sonhos para trás, vamos nos esquecendo deles porque as responsabilidades crescem a cada dia. Então vamos trabalhando para sobreviver, vamos gastando horas em frente a TV, ao smartphone, nas redes sociais, vamos vivendo no piloto automático, porque, infelizmente, perdemos esse vigor da juventude. Esse ar heróico que tínhamos quando achávamos que seríamos jovens para sempre, que nada nem ninguém nos tiraria de nosso eixo. Mas nós mesmos saímos de nossos eixos, consciente ou inconscientemente.
Vamos deixando a vida nos levar, vamos empurrando com a barriga, vamos deixando acontecer. Até um dia quando você ouve uma música no rádio do carro que te traz a lembrança de quem você era e de quem você é hoje. Uma música ou um filme ou um perfume que te lembram uma época e que você tinha simplesmente esquecido. Nessa hora nos damos conta do tempo que passou.
É só olhar para os jovens, adolescentes e você se lembrará. Lembrará que já foi como eles, já teve esse ar imbatível, mas com a correria e os problemas da vida nos acovardamos.
E foi nesse livro que lembrei de como eu era e de como eu sou hoje. Mas esses sinais estão em toda a parte, basta você estar disposto para olhar para eles. E, graças a Deus, eles dizem claramente: sempre há tempo de voltar e fazer de novo. Se você estiver olhando para a sua vida e não estiver satisfeito com o que vê, pare e comece de novo. Você pode errar, você pode falhar, você pode começar do zero novamente, porque sempre é tempo de recomeçar. Não tenha medo das mudanças e nem das suas escolhas, lembre-se que, mesmo se você não escolher, escolhido estará. Então aja. Corra atrás. Faça o que tem vontade de fazer. Mesmo que você não possa largar seu emprego, mantenha o que você ama fazer como um "hobby", mas mantenha por perto, não se distancie de você mesmo.
Olhe de perto para tudo de bom que a sua vida tem hoje, mas não pare mais que um segundo observando os problemas, porque você tomará a decisão certa para resolvê-los, se preocupar não vai ajudar em nada. Respire e sinta que um sangue juvenil ainda corre em suas veias, você não está velho nem ultrapassado, você é a expressão física da vida. Dê valor aos seus sentimentos e emoções, perceba que não está sozinho e siga em frente com todo o seu amor.
Não perca nunca seu entusiasmo em viver, em acordar cedo, em ter que ir trabalhar, em ter que ir ao médico, em sentir alguma dor, em fazer uma refeição, em saborear uma bebida. Volte a enxergar como você e eu enxergávamos antes de nos esquecermos quem éramos.
Grata Hugo Cabret, professor H. Alcofrisbas, autômato, ao cinema, a literatura, a Brian Selznick, que nossos esforços não sejam em vão, que possamos despertar aqueles que passam por nossas vidas da melhor forma possível.