quinta-feira, 31 de março de 2011

Ciclo - Clarice Lispector

Já escondi um amor com medo de perdê-lo; já perdi um amor por escondê-lo.
Já segurei nas mãos de alguém por medo; já tive tanto medo, ao ponto de nem sentir minhas mãos.
Já expulsei pessoas que amava da minha vida, já me arrependi por isso.
Já passei noites chorando até pegar no sono; já fui dormir tão feliz, ao ponto de nem conseguir fechar os olhos.
Já acreditei em amores perfeitos, já descobri que eles não existem.
Já amei pessoas que me decepcionaram; já decepcionei pessoas que me amavam.
Já passei horas na frente do espelho tentando descobrir quem sou, já tive tanta certeza de mim, ao ponto de querer sumir.
Já menti e me arrependi depois; já falei a verdade e também me arrependi.
Já fingi não dar importância as pessoas que me amavam, para mais tarde chorar quieta no meu canto.
Já sorri chorando lágrimas de tristeza, já chorei de tanto rir.
Já acreditei em pessoas que não valiam a pena, já deixei de acreditar nas que realmente valiam.
Já senti muita falta de alguém, mas nunca lhe disse.
Já gritei quando deveria calar, já calei quando deveria gritar.
Já tive crises de riso quando não podia.
Já quebrei pratos, copos e vasos, de raiva.
Muitas vezes deixei de falar o que penso para agradar uns, outras vezes falei o que não pensava para magoar outros.
Já fingi ser o que não sou para agradar uns, já fingi ser o que não sou para desagradar outros.
Já contei piadas e mais piadas sem graça, apenas para ver um amigo feliz.
Já inventei histórias com final feliz para dar esperança a quem precisava.
Já sonhei demais, ao ponto de confundir com a realidade...
Já tive medo do escuro, hoje no escuro "me acho, me agacho, fico ali".
Já caí inúmeras vezes achando que não iria me reerguer, já me reergui inúmeras vezes achando que não cairia mais. 
Já liguei para quem não queria, apenas para não ligar para quem realmente queria.
Algumas pessoas nunca precisei chamar, do nada e sempre foram e serão especiais para mim. 
Não me deem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre.
Não me mostre o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração.
Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual, porque, sinceramente, sou diferente!
Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras, não sei voar com os pés no chão.
Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma para sempre.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer: "E daí? Eu quero voar!"